Aquele da crônica aleatória

07Imagem daqui

(ou também: sobre ser invadida por palavras, histórias e personagens e ter que colocá-los para fora de alguma maneira…)

Eles se conheceram ainda no Ensino Fundamental, quando ele chegou de outro Estado para o colégio onde ela estudara a vida inteira. Ela era a boa aluna quietinha, irmã gêmea do “palhaço” da turma, e ele era o belo desconhecido, com sotaque diferente. Estranhamente, eles se identificaram rapidamente e criaram um vínculo instantâneo e profundo.

Ele a ajudou a sair da sombra do irmão e a tornar-se uma pessoa mais leve e extrovertida. Já ela o ajudou a se enturmar e a se adaptar, tornando-se parte de uma turma que sempre tinha sido fechada. A amizade era daquelas de dar inveja a quem estava de fora, mas não era exclusiva. Eles criaram um bonito e unido grupo em que eram o centro, sim, mas eram mais do que isso.

Ela acompanhou, de perto, a grande quantidade de corações partidos que ele deixou pelo caminho. Meninas para quem ele jurava o mundo, com quem ele passava todo o tempo livre, a quem ele prometia amor eterno e profundo, mas que logo eram deixadas de lado. Não por ele ser maldoso, mas por ser talvez imaturo. Ele era intenso demais e não sabia lidar com isso. Mas ela nunca o julgou, apenas o acompanhava: primeiro o encantamento, depois as conversas e planos, seguidos de um longo período em que ela ficava um pouco para escanteio, até que ele ressurgia arrasado, sem saber lidar com a confusão que ele mesmo havia criado.

Eles eram companheiros em muitos aspectos. Ela o ajudava a estudar e ele a acompanhava nas loucuras, como festas e projetos da escola. Nas quadrilhas da festa junina, eles sempre dançavam juntos e ele até resmungava, mas sempre se divertia mais do que assumia. No final do ano, ela costumava parar tudo para ajudá-lo nas matérias em que ele estava pendurado, e eles ficavam horas estudando, na casa dele ou na casa dela, tomando coca-cola e dando risada, mas sem nunca perder o foco. Não eram raras as madrugadas que eles passavam conversando, falando sobre seus medos e planos, sonhos e desejos para o futuro. Confidências eram trocadas sempre que o coração pedia e não havia ninguém em que eles confiassem mais do que o outro.

Foi no 2º ano do Ensino Médio que a dinâmica mudou drasticamente e o motivo foi surpreendente: ela se apaixonou. Não por ele, mas por um rapaz que entrou na vida dela de outra maneira, em outro contexto que não era a escola. Ela, que sempre fora meiga, dedicada e amorosa, finalmente encontrara alguém para quem entregar o coração e um alguém que estava disposto a cuidar desse coração da melhor maneira possível. E a mesma paciência que ela tinha sempre que ele se apaixonava e se envolvia com uma garota, ele não teve com ela.

Sentiu o afastamento da amiga como se tivesse sido deixado de lado sem motivo e não sabia dizer, exatamente, porque se incomodava tanto. O afastamento dos dois foi gradual mas para o grupo que eles haviam criado juntos, foi ficando cada vez mais claro que as coisas estavam mudando definitivamente. O tempo juntos foi diminuindo, dentro e fora da escola, até tornar-se inexistente. Ao final do 3º ano, eles apenas conviviam socialmente, trocando palavras e sorrisos quando se encontravam, mas nada das confidências e dos momentos divididos. Os amigos tentaram consertar o que quer que havia sido quebrado, o irmão dela chegou a intervir para buscar respostas, mas se nem eles sabiam o que tinha dado errado, como poderiam consertar?

Na formatura, houve um momento em que ambos ficaram um pouco balançados. Foi antes da cerimônia, quando a turma estava tirando uma daquelas fotos típicas, naqueles cenários pré-determinados pela empresa de formatura. Viram-se lado a lado e ele a enlaçou pela cintura de maneira natural e ela olhou para ele e sorriu o mesmo sorriso que fazia parte da vida dele desde que ele havia chegado em SP. Naquele momento, foi como se nada tivesse mudado e eles sentiram como se o mundo tivesse desaparecido de repente.

Ela quis comentar como estava assustada com a possibilidade de estudar longe do irmão gêmeo pela primeira vez na vida, quis falar que estava preocupada com a saúde da mãe, quis contar que viajaria com o pai naquele Natal, pela primeira vez em anos. Ele quis contar para ela que tinha finalmente decidido o que fazer da vida, que a mãe e o pai tinham parado de brigar e que tinha tirado a carta e estava ansioso para viajar de carro. E ambos queriam dizer, de coração, o quanto tinham sentido saudades um do outro, inexplicavelmente. Mas não o fizeram.

O encanto foi quebrado pelo flash da máquina do fotógrafo que pediu que olhassem para frente e pela chamada dos organizadores da cerimônia, que queriam que a turma entrasse em formação. Mais tarde, naquela mesma noite, eles trocaram um abraço um pouco mais longo, cheio de palavras não ditas, que serviu como despedida. E seguiram suas vidas…

Acompanharam-se, à medida do possível, pelas redes sociais. Curtiram as fotos das férias um do outro, comentaram nos primeiros posts das faculdades, cumprimentaram-se pelos aniversários com fotos antigas e constrangedoras. Aos poucos, porém, as vidas foram tomando formas diferentes e as lembranças passaram a ser apenas isso, lembranças. Viam um ao outro nas fotos dos amigos em comum, encontraram-se uma ou outra vez em ocasiões especiais, mas era tudo tão superficial que nem parecia que eles dividiam uma história tão bonita.

Foi no encontro de 10 anos da formatura do Ensino Médio que tudo mudou – novamente. Ele estava sentado à mesa rindo com histórias da adolescência, quando alguma força estranha fez com que ele olhasse na direção da porta. E lá estava ela. Dez anos mais velha, mas nem um fio de cabelo diferente da menina que tinha sido tão importante em sua vida. O mesmo sorriso encantador, os mesmos olhos brilhantes e cheios de amor. E antes mesmo que ela olhasse para ele, ele soube.

Foi como se o mundo finalmente voltado ao seu eixo – mesmo que ele nunca tivesse se dado conta de que seu mundo estava errado.

Levantou-se da mesa sem hesitação e caminhou a passos largos para onde ela ria e conversava com alguns colegas, com certeza trocando histórias de anos passados. Ela mal teve tempo de reagir antes que ele a envolvesse em longo abraço apertado, cheio de promessas e de certezas…

A verdade é que nada nunca havia se quebrado entre eles, apenas se desencaixado. Agora que ele sabia disso, ele não a deixaria ir. Nunca mais.

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