Sobre inspirar e ser inspirada…

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Não sei se vocês sabem, mas eu sou professora. Dou aulas desde os meus 19 anos – com uma pequena pausa de um ano e meio entre 2004 e 2006 – e já reparei que há duas maneiras diferentes que as pessoas reagem quando sabem qual é a minha profissão:

1 – Olham pra mim com uma cara meio triste, dão aquela viradinha de cabeça e dizem coisas do tipo “ah, coitada de você” ou “nossa, que coragem!” e partem para aquele já conhecido discurso sobre como é uma profissão não reconhecida e difícil, sobre como provavelmente eu trabalho muito e ganho pouco e etc e etc e etc.

ou

2 – Olham pra mim com um quê de adoração e dizem coisas do tipo “nossa, que maravilha!” ou “você é uma pessoa incrível por fazer isso!” e partem para aquele já conhecido discurso sobre como é uma profissão não reconhecida e difícil, sobre como provavelmente eu trabalho muito e ganho pouco e etc e etc e etc.

Acho engraçado como são duas visões bastante diferentes, mas ao mesmo tempo extremamente parecidas. Ou eu sou uma pobre coitada digna de pena, que tem coragem fora do normal, ou eu sou uma deusa de paciência e inteligência extremas. No final, claro, acabo escutando a mesma coisa, sobre a profissão não ser valorizada e professor ganhar pouco e tudo aquilo que coloquei ali e escutei mil vezes.

Ai você me pergunta: ok, Luciana, mas qual é o seu ponto? Você não concorda com o discurso, é isso?

E eu respondo, correndo o risco de ser linchada e expulsa do clube dos professores (ahahaha) não concordo e concordo, tudo ao mesmo tempo e misturado e vou tentar explicar o porquê.

Não nego, de maneira alguma, o quanto a minha profissão é complicada, sei o quanto falta reconhecimento e sei o quanto eu trabalho para ser a melhor versão possível dentro de uma sala de aula – assim como muitos colegas, é verdade. Mas a grande verdade é que falar sobre isso é muito fácil, tanto para quem está dentro e fora da sala de aula. Difícil é fazer sentido desse discurso na vida real.

Primeiro porque nenhum professor é um deus, ou seja, nenhum de nós merece ser adorado e idolatrado – por mais que alguns tendam a pensar dessa maneira. Não nego que a minha seja uma profissão nobre, mas há muitas outras igualmente nobres que, em diferentes contextos, têm o mesmo valor da minha. Então me incomoda, sim, ser “adorada” ou altamente elogiada por ser professora. Sou uma pessoa normal, com capacidades normais, com a mesma chance de cometer erros que qualquer outra pessoa. E acho que esse discurso que citei lá em cima acaba criando monstros, sabe? Porque, minha nossa, como tem ego gigantesco na minha profissão…

(mas não vamos entrar em detalhes sobre isso – é melhor)

Outra coisa que me incomoda mesmo é que tem muita gente, muita gente mesmo, que enche a boca para falar sobre a falta de valorização do professor. Mas, ao mesmo tempo, grande parte dessa “muita gente” não hesita em apontar o dedo para o professor quando, no ambiente pedagógico, alguma coisa dá errado. Às vezes é a mesma pessoa que faz discurso bonito sobre o professor, às vezes é gente de dentro da escola mesmo, às vezes é gente que não tem ideia do que acontece em uma sala de aula. E irrita. Porque compartilha texto bonito falando sobre o professor, porque fala que merece isso e aquilo, mas na hora em que algo não parece do jeito que gostaria que fosse, a bomba estoura onde? No professor. Que é o cara que está lá, na linha de batalha, enfrentando inimigos que, na boa, só quem conhece sabe quais são.

A verdade é que o “produto” com que trabalhamos é o ser humano, o que significa que tem sentimentos, vontade própria e, mais importante, não está 100% pronto quando nos deixa, ou seja, muito do nosso trabalho só dará resultado longe da gente mesmo. O que é, preciso confessar, deveras frustrante. Além disso, é exatamente por trabalharmos diretamente com o ser humano, em um ambiente que não é nada propício – porque, veja bem, eu amo dar aulas de Português, mas tenho consciência de que existem coisas MUITO mais interessantes do que o verbo transitivo direto – que travamos uma guerra por dia (ou 10, no caso das minhas segundas feiras).

Como fazer com que um grupo grande de crianças/pré-adolescentes/adolescentes deixe de lado o bate papo, o celular, o youtuber, a fofoca, o crush ou sei lá eu o que mais e preste atenção em 50 minutos de regras gramaticais? Como fazer com que um adolescente troque a Netflix por pesquisas para a redação semanal?

E é nesse ritmo que, muitas vezes, você se torna uma pessoa meio chata. E cansada. E frustrada. Porque sente que tem, nas costas, toda a responsabilidade do mundo e, ao olhar em volta, vê pouquíssimo apoio. Porque falta. De dentro da profissão e de fora. Falta.

Falta força, falta apoio, falta motivação e, acima de tudo, falta inspiração. E é nesta última que mora o maior problema, porque, claramente, mais do que ensinar regras gramaticais para meus alunos, eu preciso inspirá-los. A querer aprender, a querer ser mais, a querer ir além. E como inspirar sem estar inspirada?

Ultimamente, estive eu num daqueles momentos de indecisão, questionando muito da minha vida, me perguntando se estou realmente fazendo a coisa certa. Não que eu pense em mudar de profissão – até porque não sei se saberia fazer qualquer outra coisa – mas imaginando tudo que poderia fazer diferente, porque parece que nada – ou quase nada – dá certo, dá resultado, faz diferença. Parece dramático, mas é verdade.

É uma sensação esquisita na alma, de estar repetindo comportamentos e não ver nada. É um vazio cheio de interrogações. É uma briga interna entre a falta de vontade de fazer o que deveria ser feito com a certeza de que coisas fantásticas devem – e podem – ser feitas… E, cara, que sentimento doido é esse, porque eu sei o quanto minha negatividade pode afetar meus alunos e, por mais frustrada que eu esteja, não quero afetar meus alunos, então preciso encontrar, em mim, aquilo que falta…

No meio disso tudo, porém, eu me peguei dando, aqui e ali, umas aulas bem deliciosas. Umas risadas inesperadas, 50 minutos que passavam voando, mínimo de estresse e máximo de aproveitamento… Não eram todas as aulas, claro, porque tem umas que MINHA NOSSA, mas, mesmo assim, foi o suficiente para que eu me desse conta, sem nem hesitar, de que era ali o lugar em que estavam as respostas pelas quais eu tanto procurava. Foi o suficiente para que eu me desse conta de que a resposta era MUITO mais óbvia do que eu imaginava. E tudo ficou claro: a minha maior – e única, na verdade – fonte de inspiração, são meus próprios alunos.

E, claro, é aí que está o desafio. Porque são aqueles alunos que, como comentei lá em cima, não estão 100% formados quando vão embora. São aqueles alunos que preferem absolutamente tudo aos 50 minutos trancados em uma sala de aula, escutando minha voz e ouvindo sobre sujeito, predicado, transitividade e dissertação. São os mesmos alunos com quem eu tenho que brigar – e com quem de vez em quando (ou sempre, depende) eu grito, fecho a cara e prometo não me importar mais…

Mas são os mesmos alunos que vêm até mim com perguntas pertinentes, que agradecem quando entendem um conteúdo, que desabafam quando estão frustrados, que me abraçam quando precisam de conforto – ou quando eu preciso e eles nem sabem.

São os mesmos alunos que, mesmo quando passam a ser ex-alunos, vêm compartilhar vitórias, que mandam mensagens no Facebook cheios de saudades, que encontram na rua e dizem que sentem falta, que hoje entendem, que queriam ter aproveitado mais.

São os alunos que dão presentes – em forma de presentes ou de aprendizado mesmo, que dão sorrisos, que fazem piadas que só a gente entende, que olham nos olhos e sabem…

A vida é caótica. A sociedade abraça e afasta os professores, quase ao mesmo tempo. O próprio ambiente pedagógico/escolar mais prejudica do que ajuda…

Mas, mesmo quando irritam, quando enlouquecem – quando dizem que não querem fazer o que a gente manda fazer – quem salva, quem sempre salva, são os alunos.

E o que eu preciso lembrar, então, é isso: eles me inspiram a inspirá-los. E é disso que eu preciso para sobreviver nesse mundo complicado no qual fui me enfiar…

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